Dizer que, no futuro, a disputa pela água será motivo de muitas guerras, é algo que já se tornou clichê! Todavia, na Bahia, o fato já é uma realidade há algum tempo. Em Novembro de 2017, na bacia do rio Corrente, situada no Oeste baiano, agricultores e demais pessoas que vivem às margens do rio Arrojado, invadiram e danificaram equipamentos para captação de água da fazenda Igarashi. Na época, o fato se deu em função da liberação de captação de água para irrigação, pelo órgão responsável no Estado, privilegiando os grandes empreendimentos do agronegócio que operam na região, em detrimento dos demais usuários, que alegavam a extinção de alguns cursos d´água e rebaixamento crítico de muitos outros. O resultado foi o conflito, que foi fartamente noticiado e, ainda hoje, é possível encontrar notícias a respeito do assunto na Internet.
Em Agosto de 2018, a Igarashi obteve uma nova outorga, do mesmo órgão estadual, para captação de 25.727 m3/ dia. Desta vez, a outorga foi concedida na bacia do rio Santo Antônio, que fica situado na Chapada Diamantina, região central do Estado baiano. O ponto de bombeamento deverá ser instalado próximo da gruta da Pratinha, que consiste em um dos maiores atrativos turísticos da região. O número em si não diz muita coisa. Se estivéssemos na Amazônia, talvez este volume a ser bombeado poderia ser até algo insignificante!
Entretanto, a liberação desta outorga no rio Santo Antônio gerou um novo conflito pelas águas e desengatilhou um movimento da população que vive nesta bacia e se organizou através do movimento: “SOS Águas da Chapada Diamantina – Bahia”. Cartas de apoio ou repúdio foram escritas, reuniões foram convocadas e realizadas. O Ministério Público esteve presente, em algumas delas, e prometeu atuar no caso. O órgão gestor das águas na Bahia, que é responsável pela concessão da outorga, alega que a vazão outorgada representa menos de 6% da vazão do rio. Este percentual também não nos diz muito, caso não seja considerado o montante total outorgado nesta bacia, o montante que é bombeado de forma ilegal ou mesmo o ponto onde foram obtidas as medidas de vazão utilizadas no cálculo.
A Bahia já teve na sua estrutura pública de gestão uma Superintendência de Recursos Hídricos – SRH e, em outro momento, um Instituto de Gestão das Águas e do Clima – INGA. Atualmente, o Estado conta com uma Diretoria de Águas - DIRAG, que é subordinada à Diretoria Geral do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos - Inema. As decisões tomadas pelo órgão se utilizam, em parte, de informações que são levantadas pelo Serviço Geológico do Brasil – CPRM. Esta autarquia é responsável, nacionalmente, por executar demandas do Programa Nacional de Hidrologia. Por sua vez, o Estado não executa um levantamento sistemático, de detalhe, de informações sobre a vazão dos rios ou volumes estocados nos aquíferos. Ou seja, não existem dados confiáveis sobre as reservas existentes, ou disponíveis, nas diferentes regiões do Estado. Por aqui, muitos falam sobre rios que secaram, mas pouco se sabe de fato sobre isso...
Na sua página de Internet, o Inema informa que a outorga “é um instrumento necessário para o gerenciamento dos recursos hídricos, pois permite o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água, possibilitando uma distribuição mais justa e equilibrada desse recurso, proporcionando a sustentabilidade hídrica da bacia estudada”. Entretanto, para um controle efetivo dos usos da água, faz-se necessária a definição de uma malha de monitoramento das vazões nas diferentes bacias, para além de instrumentos de controle dos volumes bombeados e um banco de dados das vazões outorgadas. No atual cenário, a malha de monitoramento, considerada pelo órgão em suas decisões, foi definida para um cenário em escala nacional e as ações de fiscalização são insuficientes, para que tenhamos um conhecimento concreto dos volumes que são explotados nos rios e aquíferos baianos.
Conflitos pela água na Bahia fazem parte do passado, do presente e, possivelmente, do futuro. Muito além de ser apenas um recurso, a água é uma substância que é necessária para sobrevivência de todas as formas de vida conhecidas na Terra. A governança e a gestão efetiva deste elemento da geodiversidade é algo indispensável para um Estado que detém grande parte do seu território inserido no semiárido. Isso somente será possível quando os instrumentos necessários para a gestão estejam implementados e as decisões sejam respaldadas por informações técnicas, levantadas em escala adequada para cada região, bacia hidrográfica ou aquífero. Caso contrário, seguiremos à mercê da dúvida e os conflitos crescerão até se tornarem o estopim de uma guerra fratricida. Afinal, todos nós dependemos da água para sobrevivência...
Nascente cárstica da Pratinha, um dos principais atrativos turísticos da Chapada Diamantina. As águas que brotam no local drenam para o rio Santo Antônio. Próximo do ponto de confluência destas águas está prevista a instalação de captação de águas para o agronegócio.
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